FILOSÓRFICO

sábado, outubro 28, 2006

Fait-divers

Bonita era a lua,
de prata lavrada,
girando na rua
da noite estrelada.
Cá baixo na estrada,
ladrava-lhe um cão
por tudo e por nada,
como é tradição.
Ninguém sentiu dor
no embate brutal:
nem o condutor
nem mesmo o animal,
que tempo não teve
sequer de ganir.
Prostrado na neve,
ficou a dormir.
Sofreu a menina
de trança em rabicho:
era pequenina,
gostava do bicho.
Correu, repentina…
Incauta e em desnorte,
lançou-se na estrada…
………………………….
Não, leitor ! Por sorte,
não sucedeu nada.

( Renato de Azevedo )

sábado, outubro 21, 2006

Uma poesia a proporcionar ar puro no meio da poluição abortista:

VIDA
Do Mar nascemos, do mistério imenso
que se esconde por trás dos Universos,
do Mar sem fundo, do segredo denso
onde o Princípio e o Fim jazem imersos.
Um rio nasce em nós e nos envia
para onde nascemos,
e o marulho do Mar nos anuncia
o mistério que temos.
Ao nosso lado vem essa esperança
que tem a núvem sem destino certo.
Passeamos os olhos de criança
como o raio cortando o céu aberto.
No ângulo quebrado dos sextantes
sonhamos a canção de marear.
Todas as horas, todos os instantes
são do ondulado cântico do Mar.

( Renato de Azevedo )

quinta-feira, outubro 12, 2006

FILOSÓRFICAS
I
Se o passado não subsiste
e o presente...já passou !…
e o futuro ainda inexiste
- Como é que existo e o que sou ?!
II
Sou de átomos só ?
Átomo não pensa…
Sou, pois, paletó
de uma outra presença.
Ora, essa presença
pensa-se a si mesma
( o que me diferença
do gato ou da lesma )
- pensante pirueta
que dá que pensar:
perdida a jaqueta
com que me abrigar ?
III
Negas a Deus com mestria,
brilhante no argumentar.
A tua filosofia
tem a beleza vazia
de uma paisagem lunar,
onde o Homem, todavia,
não consegue respirar.

terça-feira, outubro 10, 2006

TERNURA MATERNAL

Simplex- 2

Será errado afirmar que os jornais que aceitam anúncios de ostensivo convite à prostituição também indirectamente se aproveitam dessa actividade para sobreviverem ?
Será tolice sugerir que o combate à prostituição deve começar por impedimento à respectiva propaganda ?

segunda-feira, outubro 09, 2006

  1. AO RIO AVE

    Meu companheiro de menino e moço,
    a quem eu devo mágicos instantes:
    Recebe este postal – já que não posso
    andar contigo, como andava dantes,

    a prescrutar os peixes coleantes
    nos infantis mistérios de algum poço;
    depois – a vez primeira em alvoroço -
    a lançar-te meus braços confiantes

    e a navegar contigo, já sem medo,
    entre a grácil luxúria do arvoredo,
    ou descansando nas ridentes vargens...


    Desculpa que não vá. Custa-me ver-te,
    doente e sem doutor que te conserte,
    coçando as tuas chagas contra as margens.


    ( Renato de Azevedo )